06/11/2010

Metade


Metade

Osvaldo Montenegro



E que a força do medo que tenho

Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca,

Porque metade de mim é o meu grito

e a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe seja linda,

mesmo que triste.

Que o homem que eu amo

Seja para sempre amado, mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida

E a outra metade é saudade.

Que as palavras que falo

não sejam ouvidas como prece

Nem repetidas com fervor,

Apenas respeitadas

Como a única coisa que resta

a uma mulher inundada de sentimento,

Porque metade de mim é o que ouço,

Mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora

Se transforme na calma

e na paz que eu mereço.

Que essa tensão que me corrói por dentro

seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é a lembrança do que fui

e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste!

Que conviva comigo mesmo

E se transforme ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto

um doce sorriso que me lembro

ter dado na infância.

Porque metade de mim é a lembrança do que fui;

e a outra metade não sei.

Que não seja preciso

mais do que uma simples alegria

para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo,

Mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,

Mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar,

Porque é preciso simplicidade

para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é a platéia,

e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada,

Porque metade de mim é amor

e a outra metade também.





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